sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Casa de Patativa do Assaré recebe Festa da Padroeira



(Diário do Nordeste - 7/9/2010 )

Representante maior do sertanejo, a casa do poeta serviu também para o lançamento do Grito dos Excluídos

Assaré. Na Serra de Santana, o espectro da seca ronda o ambiente como ave de rapina em busca de mais uma vítima. A caatinga se espalha no solo estorricado pelo sol. No alto da serra, a casa de taipa onde nasceu o poeta Patativa do Assaré, porta-voz do agricultor sofrido, sem terra, o guerreiro da tribo Cariri que denunciou o flagelo dos seus irmãos nordestinos.

Foi neste cenário que o padre Vileci Vidal abriu a Festa da Padroeira de Assaré, Nossa Senhora das Dores, e anunciou o "Grito dos Excluídos" que, este ano, defende um plebiscito popular pelo limite da propriedade da terra. O pedido será levado ao Congresso Nacional, em Brasília, para que seja votada uma emenda constitucional que determine um limite ao tamanho das propriedades.

A missa teve início com a leitura de um poema de Patativa sobre reforma agrária. Na plateia, cerca de 300 pessoas, a maioria agricultores, que mostram na face o sofrimento em consequência de sucessivas secas. No altar em frente à casa do poeta, hoje transformada em "Museu do Agricultor", o celebrante justificou a escolha da localidade para a celebração, afirmando que ali Patativa deu um seu "grito de protesto", que foi ouvido em todo o Brasil contras as injustiças sociais e, principalmente, contra a concentração de terras.

O padre Vileci destacou o papel de Patativa como defensor dos pobres. Mesmo vivendo numa comunidade rural atrasada, dominada por coronéis que monopolizavam a agricultura, refém do descaso dos governantes, ele nunca abateu seu ânimo: ao contrário, fortaleceu-o ainda mais, tornando-se crítico do modelo econômico, político e social importo ao povo pobre.

Outra virtude do poeta, de acordo com o celebrante, era o seu sentimento religioso, que vem sendo seguido pela família. Todos os filhos e netos de Patativa, que moram na Serra de Santana, estavam presentes. Inês, a filha mais velha, que transcrevia seus poemas, disse que ele nunca perdia a festa da padroeira. Comprou uma casa ao lado da matriz para assistir às novenas, lembrou Inês.

O ritual teve início às 6 horas, com uma cavalgada que saiu da Igreja Matriz de Assaré para a Serra de Santana. No percurso de 20 quilômetros, grupos de cavaleiros se juntaram ao cortejo puxado por um carro de som, tendo a frente o próprio vigário e o prefeito da cidade, Francisco Evanderto Almeida.

Preces

O jovem agricultor Marcos Rodrigues Arrais se deslocou do Sítio Mameluco para acompanhar o grupo. Ia assistir à missa para pedir a Deus um bom inverno em 2011. Ele acrescentou que, este ano, perdeu tudo com a falta de chuvas. "Não colhi, sequer, um saco de milho". A mesma lamentação é manifestada pelo agricultor Francisco de Assis Dias, residente no Sítio Junco. Dias mostra a roça de milho perdida.

No meio do caminho, alunos da Escola Municipal Antonio Ângelo da Silva encenam uma poesia de Patativa sobre reforma agrária. O secretário de Cultura do Município, Marcos Salmo, lembra a devoção de Patativa à Nossa Senhora das Dores e destaca sua poesia profética em defesa dos pobres. O cortejo segue a sua trajetória, cortando o sertão seco em direção à Serra de Santana, onde outro grupo de devotos de Nossa Senhora das Dores e admiradores de Patativa aguarda os cavaleiros.

Católico praticante, Patativa tinha uma visão moderna de Deus e da religião. Para ele, o sofrimento do nordestino não era um castigo de Deus, mas fruto da ausência de políticas públicas destinas ao homem do campo. No poema "Caboclo Roceiro", ele reafirma a sua convicção religiosa com estes versos: "Tu és nesta vida o fiel penitente/ Um pobre inocente no banco do réu/Caboclo não guarda contigo esta crença/A tua sentença não parte do céu/ Tu és nesta vida um fiel penitente/ Um pobre inocente no banco do réu/ Caboclo não guarda contigo esta crença/ A tua sentença não parte do céu".

Para o padre Vileci, estes versos refletem a alma do poeta, um sertanejo calejado na luta para traduzir o sentimento do seu povo. Com a mesma coragem com que cavava a terra na luta diária pela sobrevivência, fazia poemas que eram utilizados como arma santa contra os opressores.

Restavam-lhe as palavras que, juntas, tornavam-se a voz do homem do sertão do Ceará, sua terra natal. Homem sertanejo, cabeça chata, que se orgulhava de sua gente, sua voz ecoava pelos quatro cantos do Nordeste. É dentro desse contexto que Patativa foi incluído na programação da Festa de Nossa Senhora das Dores.

De acordo com o professor Plácido Cidade Nuvens, Patativa foi um dos maiores poetas clássicos do Nordeste. Compôs sonetos eruditos. No entanto, preferia a poesia matuta. São versos escritos na terra seca, com o cabo da enxada, tendo como tinta o suor de seu rosto, o que justifica também, segundo o vigário, a sua identificação com o Grito dos Excluídos, por ser um representante dos marginalizados, complementa.

Enquete
Devoção engajada

Padre Vileci Vidal
Vigário do município de Assaré
O foco central é chamar a atenção da sociedade para as condições de crescente exclusão social na sociedade brasileira

Marcos Rodrigues Arrais
Agricultor
Vou para missa a fim de pedir à Nossa Senhora das Dores um bom inverno. Este ano, não colhi nem um saco de milho

Marcos Salmo
Secretário de Cultura de Assaré
A Cavalgada à casa de Patativa é um forma de homenagear o poeta que era devoto de Nossa Senhora das Dores

MAIS INFORMAÇÕES
Cáritas Diocesana do Crato
Rua Coronel Antonio Luiz, 1068
(88) 3521.8046
www.limitedaterra.org.br

GRITO DOS EXCLUÍDOS
Movimentos regionais devem apresentar suas demandas

Além das pautas locais, está sendo organizado um plebiscito para limitar propriedade de terra no Brasil

Assaré. A Campanha da Fraternidade deste ano propõe a participação num plebiscito popular, organizado pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que consultará a população sobre a necessidade ou não de se estabelecer um limite para a propriedade da terra no País. O Fórum pela Reforma Agrária apresenta como limite máximo 35 módulos fiscais, o que corresponde no Ceará a 90 hectares, além de cinco hectares o módulo mínimo.

"Vida em primeiro lugar. Onde estão nossos direitos?". A pergunta está sendo levada às ruas pelos participantes da 16ª edição do Grito dos Excluídos, promovido pela Igreja Católica, por meio das pastorais e junto com outras igrejas cristãs e movimentos populares. Tradicionalmente, o evento se realiza no feriado de 7 de setembro, data comemorativa da Independência do Brasil. Mas, este ano, várias dioceses do Ceará decidiram antecipar a manifestação popular. Em Assaré, por exemplo, o "Grito" foi dado na abertura da festa da padroeira. A votação que começou no dia 1º de setembro vai a até o dia 7.

O Grito dos Excluídos é uma manifestação popular carregada de simbolismo, um espaço de animação e profecia, sempre aberto e plural de pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas dos excluídos. Direito à moradia digna, acesso à saúde e educação de qualidade são apenas algumas demandas que estarão em pauta durante as atividades do Grito dos Excluídos no Ceará.

Protagonismo

O foco central, segundo o padre Vileci Vidal, é chamar a atenção da sociedade para as condições de crescente exclusão social na sociedade brasileira. Não é um movimento nem uma campanha, mas um espaço de participação livre e popular, em que os próprios excluídos, junto com os movimentos e entidades que os defendem, trazem à luz o protesto oculto nos esconderijos da sociedade e, ao mesmo tempo, o anseio por mudanças, justifica o vigário de Assaré.

O pressuposto básico do Grito é o contexto de aprofundamento do modelo neoliberal, como resposta à crise generalizada a partir dos anos 70 e que vem se agravando nas décadas seguintes. Nesse sentido, aqueles que são diretamente prejudicados e cerceados por esta situação econômica e social tornam-se protagonistas da denúncia dessas desigualdades.

Pauta regional

Além das reivindicações nacionais, os excluídos vão defender também assuntos regionais. De acordo com a coordenação do Grito, as manifestações serão realizadas de acordo com a realidade de cada município. Em Crato, por exemplo, os manifestantes incluíram na programação a construção da estrada que liga Crato a Santa Fé, um trecho que já foi asfaltado e agora se encontra danificado. O Estado diz que a responsabilidade é da prefeitura que, por sua vez, afirma que não tem condições de recuperar a rodovia.

Outra reivindicação dos excluídos é o pagamento do Garantia Safra no Município, que até o momento não foi feito. O coordenador local do Grito, Expedito Guedes, lembrou que durante a manifestação serão relacionadas outras reivindicações dos trabalhadores rurais e de moradores da periferia, que precisam de água, saneamento básico e assistência médica.

Afinal, o Grito dos Excluídos tem como objetivo unificar todos os gritos presos em milhões de gargantas, acordar os acomodados, ferir os ouvidos dos responsáveis pela exclusão e conclamar todos à organização e à luta, diz Expedito, advertindo que a manifestação é, sobretudo, o grito dos empobrecidos, dos indefesos, dos pequenos, dos sem vez e sem voz, dos enfraquecidos.

No Vale do Jaguaribe, o Grito dos Excluídos ocorrerá em Aracati, dando continuidade às lutas regionais pelos direitos humanos e sociais em virtude dos, segundo os moradores, graves problemas sócio-ambientais que afetam comunidades tradicionais neste município, como carcinicultura, produção de energia eólica, produção de eucalipto, exploração sexual de crianças e adolescentes e tráfico de drogas. Outros problemas socioambientais também estão na pauta do grito regional, como o caso dos atingidos pelos agrotóxicos na Chapada do Apodi, o impasse dos desapropriados pelos projetos de irrigação do Tabuleiro de Russas nos municípios de Limoeiro do Norte, Russas e Morada Nova, e a construção da barragem do Figueiredo, que atinge comunidades dos municípios de Iracema e Potiretama. A caminhada do Grito sai do bairro Pedregal até o largo da Igreja Matriz.

Antônio Vicelmo
Repórter

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